Blogueiros e colunistas progressistas: uni-vos

Por: Osvaldo Bertolino

Neste post continuo com a temática sobre a questão ideológica e a luta de classes travada na Internet. Assim, reproduzo abaixo artigo do jornalista Osvaldo Bertolino, cuja análise destaca a atual fase da disputa ideológica que se trava na Internet brasileira. No entendimento de Bertolino, com o qual eu concordo plenamente, conforme já expus no post anterior, "O pensamento direitista, reacionário e preconceituoso, ao que parece, nada de braçadas".

As relações entre o governo Lula e a mídia estão em seu pior momento. Blogs, colunas, editoriais e peças pretensamente humoristas propagam pela Internet uma onda conservadora que chama a atenção e faz pensar. Tudo começou depois da criação de movimentos de direita, como o "Cansei", que abrigam integrantes das zonas da sociedade que estão localizadas nos extratos mais altos da pirâmide social. Antes, havia a histeria da denunciamania que cavalgava o “mensalão”; agora, assume a pauta a propaganda ideológica fundada no rancor político, no ódio de classes e no reacionarismo.

Os mandantes da mídia sequer são capazes de admitir a idéia de que as pessoas que não seguem seu figurino ideológico não são necessariamente “petistas”. Basta ser democrata e progressista para ser enquadrado nesta categoria. O epíteto passou a ser sinônimo de xingamento. O ser “petista” é alguém que não pensa, que está na contramão dos fatos. A explicação mais plausível para isso são os acontecimentos progressistas na América Latina e a aproximação das eleições de 2008 e de 2010. A mídia está servindo, como diz uma recente nota da Executiva Nacional do PT, de "instrumento e estado-maior" para a ofensiva direitista.

O progresso que todo mundo vê

Para a mídia, as melhorias que vira e mexe ela mesma é obrigada a noticiar não contam. São dados que aparecem distorcidos ou camuflados pelo catastrofismo. Não há indícios de avanços na distribuição de renda — como não há ações efetivas para a retomada de iniciativas que visam a reconstrução da infra-estrutura do país. Tudo é fruto de uma ilusão construída pelos “petistas”, que aproveitam eventuais resultados positivos alicerçados no passado para criar a impressão de que existe progresso social e avanço democrático.

Os objetivos dos “petistas” seriam os piores, e a prova disso estaria no acobertamento do “mensalão”. “Não é por nada não, mas este país está um caos, c-a-o-s. O Senado livrou a cara de Renan Calheiros, e eu gostaria de saber de alguma coisa, qualquer uma, da responsabilidade do governo, que funcione bem. Só uma, e eu já fico feliz (a estabilidade monetária não vale, esta Lula já encontrou prontinha)”, escreveu a colunista Danuza Leão no jornal Folha de S. Paulo no dia 9 de dezembro passado. O progresso que todo mundo vê com os próprios olhos não existe, segundo nos garante a sábia colunista.

Cenário de guerra e golpe de Estado

Está claro que os pontos de vista, as análises e o noticiário de diversos órgãos de imprensa que não pertencem ao monopólio midiático brasileiro compõem um quadro muito ruim para a direita. Também é verdade que o governo cometeu erros factuais, embora tenha acertado muito mais vezes do que errou. Pode-se até concordar, enfim, quando a mídia diz que o governo não é do seu agrado. Mas onde está escrito que deveria ser?

É essa, justamente, a idéia que tantas pessoas de peso na mídia e a seu redor não conseguem aceitar. Na sua visão, o governo não teria o direito de contrariá-la porque ela é a nata da democracia. Esta posição serve, em primeiro lugar, ao propósito muito útil de fornecer uma desculpa a membros da direita que defendem a “liberdade de imprensa”. Em segundo lugar, comprova a alergia da mídia à liberdade de expressão — valor que toleram por não terem força para suprimir. "A grande mídia foi montando primeiro um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado", afirma a filósofa Marilena Chauí.

Uma síntese da infâmia na Folha de S. Paulo

Uma síntese de toda essa infâmia é a coluna de um tal Marcelo Otávio Dantas na seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S. Paulo, edição do dia 23 de dezembro. Sob o pomposo título de escritor, roteirista, diplomata de carreira e chefe da Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores, além de, aos 43 anos, ser formado em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele se contorce para ligar uma fábula religiosa antiga ao “mensalão”.

Dantas ataca sem escrúpulos. “Marilena Chaui revelou ao mundo a teleologia da corrupção; Paulo Betti defendeu o caráter soteriológico do pecado; e o solerte Wagner Tiso abriu mão de seu coração de estudante para encavalar o espírito pragmático de Jacob Frank”, disse ele. “O pacto com o fisiologismo e a conversão à ortodoxia econômica passaram a ser tratados como pecados santos — alianças temporárias do messias apóstata com o dragão burguês destinadas a acelerar o tempo histórico e facilitar o advento da era escatológica”, escreve. “Hoje, os petistas aceitam tudo. Menos que alguém ouse pensar por conta própria”, finaliza.

Um campanha contra o parlamento

Por trás de tudo isso, há um jogo perigoso. Em entrevista à torpe revista Veja desta semana, o historiador José Murilo de Carvalho diz que existe uma “armadilha” no Brasil. “Os escândalos políticos não colaram no presidente porque ele é um distribuidor de benefícios. No atual mandato, a instituição que mais se desmoralizou foi o Congresso. Se você tem uma economia melhorando, um presidente com apoio popular e um Congresso desmoralizado, qual o resultado? A América Latina está nos mostrando o risco. Isto tem a ver com a discussão sobre o terceiro mandato”, disse ele.

Logo, seria premente a necessidade de enfraquecer o executivo para evitar qualquer tentação “autoritária”. O fato é que há uma campanha nacional contra o parlamento. Segundo a mesma revista, a juíza da 10ª Vara da Justiça Federal Maria de Fátima Costa disse, durante audiência do “mensalão”, ao deputado Paulo Rocha (PT-PA): “O senhor não vai bagunçar a minha audiência. Aqui não é a Câmara dos Deputados.” É o mesmo achincalhe ao parlamento que se vê em colunistas e blogueiros do estrato moral de gente como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Cláudio Humberto. Ou seja: essas figuras desclassificadas servem de referência até para magistrados.

Separar as emoções das realidades

O Brasil conhece bem, e há muitos anos, a situação de ter dentro de si diversos países diferentes convivendo ao mesmo tempo. No presente momento, a diferença que mais chama a atenção é a existente entre o Brasil da calamidade e o Brasil do progresso. O primeiro, como dizem os mestres-de-cerimônia ao introduzir algum personagem que todo mundo conhece, dispensa apresentações: é o Brasil da elite em particular e da mídia, visível todo dia e a qualquer hora num noticiário político que cada vez mais se parece com os programas de palhaçadas.

O segundo Brasil é o país do trabalho, do mérito e do progresso — tão real, tão visível e tão vigoroso em suas virtudes quanto o primeiro é vigoroso em seus vícios. A questão mais relevante do momento, do ponto de vista prático, é determinar até onde o país da mídia pode piorar — e os fatos mostram que ele tem tudo para continuar piorando — sem que isso torne inviável o país do avanço. É muito fácil, diante da degeneração crescente da mídia, concluir que o filme já terminou e o bandido acabou ganhando.

Mais difícil, porque dá mais trabalho, é separar as emoções das realidades — e quando se faz essa tarefa com aplicação e cabeça fria o que começa a tomar forma é a possibilidade de que esteja ocorrendo exatamente o contrário. Sem dúvida, o Brasil arcaico dá provas diárias de que está mais vivo e atuante do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, parece cada vez menos capaz de impedir os avanços do Brasil novo. Qual o caminho a seguir? Os fatos, mais que as propagandas ou os desejos, vão responder de um jeito ou de outro a essa pergunta.

A esquerda não pode se encolher

Como diria Lula, o que se pode dizer com certeza, hoje, como nunca antes na história deste país, é que encontram-se em operação forças positivas que jamais haviam se manifestado de forma simultânea. O problema é que isso faz aflorar o que há de pior na mentalidade da direita. Guardadas as diferenças, é algo parecido com o que acontece na Europa. A diferença é que lá a direita que defende o que a direita daqui defende ganha o rótulo de nazista por ser a favor do que ela chama de limpeza social: o extermínio dos seus pobres, os imigrantes. No Brasil, não é raro ouvir que ladrão bom é ladrão morto, especialmente se ele for pobre e preto.

A diferença é que na Europa o discurso é aberto e ainda causa arrepios. No Brasil, ele é velado e rende votos. É uma lástima que a direita no Brasil esteja mais preocupada em preservar a estrutura medieval de nossa sociedade do que em debater abertamente a situação do país. A esquerda não pode se encolher diante disso. Na Internet, predomina o ideário elitista. Precisamos de mais blogs, colunas e opiniões progressistas. É o futuro da nação que está em jogo. E ele pode começar a ser definido neste terreno da luta de idéias. Portanto, blogueiros e colunistas progressistas: uni-vos!
Fonte: Artigo publicado originalmente no Portal Vermelho em 26 de dezembro de 2007.

Blogs reacionários ou Deus e o Diabo nas terras do cerrado

Qualquer pessoa medianamente informada tem consciência de que a luta de classes encontra-se em seu auge no Brasil. A novidade, ao que parece, é a de que esta também se faz cada vez mais presente na Internet. Neste novo Front, constituído por sites, Blogs e afins, parece predominar páginas declaradamente reacionárias. Em Mato Grosso, derivado da hegemonia das transnacionais em aliança com a elite econômica e política estadual, o que temos visto na "Blogosfera", salvo honrosas exceções, é um bando de papagaios do poder, travestidos de jornalistas...
Fenômeno recente no universo digital, os Blogs vêm se tornando uma alternativa real à mídia tradicional. Embora ainda tratados com certo desprezo por grandes grupos jornalísticos, aos poucos ganham importância e influência, sobretudo em meio à classe média, extrato social que mais tem acesso à internet.
Entretanto, quantidade nem sempre significa qualidade. Assim, no universo dos Blogs, na chamada "Blogosfera", predominam com larga dianteira os Blogs assumidamente reacionários. Trata-se de um fenômeno mundial, reproduzido na terras tupiniquins, "of course"!
Em Mato Grosso, o fenômeno parece se repetir, ou pior, se agravar! Em um território dominado hegemonicamente por grandes corporações transnacionais, o pensamento único se reproduz cotidianamente, também por meio dos Blogs, sobretudo daqueles voltados à política (sic).
Assim, enquanto o agronegócio e seus balangandãs são "endeusados", os projetos alternativos e seus defensores são, literalmente, "endiabados"! Nessa guerra entre Deus e o diabo, não faltam elogios descarados aos detentores do poder e seus vassalos. Ao mesmo tempo em que críticas de baixo calão permeiam as "análises" ditas parciais dos auto-proclamados jornalistas, sobre o governo federal, sindicatos dos trabalhadores e dos movimentos sociais, enfim, dos críticos à elite regional.
Como se vê, a luta de classes, (lembram-se dela?) também se desenrola no universo dos Blogs, que se constitui no mais novo front de combates.

Ser negro no Brasil hoje

Milton Santos (1926-2001) foi, indubitavelmente, um dos maiores pensadores do país, considerado pelos colegas o maior geógrafo brasileiro, se destacou por suas idéias que sublinhavam o aspecto humano da geografia e via na população pobre o ator social capaz de promover uma outra globalização, mais justa, que defendeu em livros e conferências pelo mundo. Foi o único estudioso fora do mundo anglo-saxão a receber, em 1994, o Prêmio Internacional Vautrin Lud, (o prêmio Nobel da geografia), recebeu o título de Doutor honoris causa em vários países e publicou cerca de 40 livros e mais de 300 artigos. Apesar de nunca ter participado do movimento negro, era profundamente respeitado pelas suas lideranças, não apenas por suas idéias, mas por não ter perdido de vista suas origens. Costumava dizer: “Minha vida de todos os dias é a de negro. Mantenho com a sociedade uma relação de negro. No Brasil, ela não é das mais confortáveis”. Abaixo reproduzimos um artigo, publicado na Folha de São Paulo, em 2000, onde o professor Milton aborda de maneira original a questão do racismo no Brasil.


Ética enviesada da sociedade branca desvia enfrentamento do problema negro
Há uma frequente indagação sobre como é ser negro em outros lugares, forma de perguntar, também, se isso é diferente de ser negro no Brasil. As peripécias da vida levaram-nos a viver em quatro continentes, Europa, Américas, África e Ásia, seja como quase transeunte, isto é, conferencista, seja como orador, na qualidade de professor e pesquisador.
Desse modo, tivemos a experiência de ser negro em diversos países e de constatar algumas das manifestações dos choques culturais correspondentes. Cada uma dessas vivências foi diferente de qualquer outra, e todas elas diversas da própria experiência brasileira. As realidades não são as mesmas.
Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas).
Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito.

500 anos de culpa
Agora, chega o ano 2000 e a necessidade de celebrar conjuntamente a construção unitária da nação. Então é ao menos preciso renovar o discurso nacional racialista. Moral da história: 500 anos de culpa, 1 ano de desculpa. Mas as desculpas vêm apenas de um ator histórico do jogo do poder, a Igreja Católica! O próprio presidente da República considera-se quitado porque nomeou um bravo general negro para a sua Casa Militar e uma notável mulher negra para a sua Casa Cultural. Ele se esqueceu de que falta nomear todos os negros para a grande Casa Brasileira. Por enquanto, para o ministro da Educação, basta que continuem a frequentar as piores escolas e, para o ministro da Justiça, é suficiente manter reservas negras como se criam reservas indígenas.
A questão não é tratada eticamente. Faltam muitas coisas para ultrapassar o palavrório retórico e os gestos cerimoniais e alcançar uma ação política consequente. Ou os negros deverão esperar mais outro século para obter o direito a uma participação plena na vida nacional? Que outras reflexões podem ser feitas, quando se aproxima o aniversário da Abolição da Escravatura, uma dessas datas nas quais os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública, mas quase solitária, sua catarse anual?
Hipocrisia permanente
No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo.
Desse modo, toda discussão ou enfrentamento do problema torna-se uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário. Veja-se o tempo politicamente jogado fora nas discussões semânticas sobre o que é preconceito, discriminação, racismo e quejandos, com os inevitáveis apelos à comparação com os norte-americanos e europeus. Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é?
Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambiguidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica.
Marcas visíveis
Que fazer? Cremos que a discussão desse problema poderia partir de três dados de base: a corporeidade, a individualidade e a cidadania. A corporeidade implica dados objetivos, ainda que sua interpretação possa ser subjetiva; a individualidade inclui dados subjetivos, ainda que possa ser discutida objetivamente. Com a verdadeira cidadania, cada qual é o igual de todos os outros e a força do indivíduo, seja ele quem for, iguala-se à força do Estado ou de outra qualquer forma de poder: a cidadania define-se teoricamente por franquias políticas, de que se pode efetivamente dispor, acima e além da corporeidade e da individualidade, mas, na prática brasileira, ela se exerce em função da posição relativa de cada um na esfera social.
Costuma-se dizer que uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá existe uma linha de cor e aqui não. Em si mesma, essa distinção é pouco mais do que alegórica, pois não podemos aqui inventar essa famosa linha de cor. Mas a verdade é que, no caso brasileiro, o corpo da pessoa também se impõe como uma marca visível e é frequente privilegiar a aparência como condição primeira de objetivação e de julgamento, criando uma linha demarcatória, que identifica e separa, a despeito das pretensões de individualidade e de cidadania do outro. Então, a própria subjetividade e a dos demais esbarram no dado ostensivo da corporeidade cuja avaliação, no entanto, é preconceituosa.
A individualidade é uma conquista demorada e sofrida, formada de heranças e aquisições culturais, de atitudes aprendidas e inventadas e de formas de agir e de reagir, uma construção que, ao mesmo tempo, é social, emocional e intelectual, mas constitui um patrimônio privado, cujo valor intrínseco não muda a avaliação extrínseca, nem a valoração objetiva da pessoa, diante de outro olhar. No Brasil, onde a cidadania é, geralmente, mutilada, o caso dos negros é emblemático. Os interesses cristalizados, que produziram convicções escravocratas arraigadas, mantêm os estereótipos, que não ficam no limite do simbólico, incidindo sobre os demais aspectos das relações sociais. Na esfera pública, o corpo acaba por ter um peso maior do que o espírito na formação da socialidade e da sociabilidade.
Peço desculpas pela deriva autobiográfica. Mas quantas vezes tive, sobretudo neste ano de comemorações, de vigorosamente recusar a participação em atos públicos e programas de mídia ao sentir que o objetivo do produtor de eventos era a utilização do meu corpo como negro -imagem fácil- e não as minhas aquisições intelectuais, após uma vida longa e produtiva.
Sem dúvida, o homem é o seu corpo, a sua consciência, a sua socialidade, o que inclui sua cidadania. Mas a conquista, por cada um, da consciência não suprime a realidade social de seu corpo nem lhe amplia a efetividade da cidadania. Talvez seja essa uma das razões pelas quais, no Brasil, o debate sobre os negros é prisioneiro de uma ética enviesada. E esta seria mais uma manifestação da ambiguidade a que já nos referimos, cuja primeira consequência é esvaziar o debate de sua gravidade e de seu conteúdo nacional.

Olhar enviesado
Enfrentar a questão seria, então, em primeiro lugar, criar a possibilidade de reequacioná-la diante da opinião, e aqui entra o papel da escola e, também, certamente, muito mais, o papel frequentemente negativo da mídia, conduzida a tudo transformar em "faits-divers", em lugar de aprofundar as análises. A coisa fica pior com a preferência atual pelos chamados temas de comportamento, o que limita, ainda mais, o enfrentamento do tema no seu âmago. E há, também, a displicência deliberada dos governos e partidos, no geral desinteressados do problema, tratado muito mais em termos eleitorais que propriamente em termos políticos. Desse modo, o assunto é empurrado para um amanhã que nunca chega.
Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida".
Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil.

Artigo escrito por Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, MAIS! brasil 501 d.c. (São Paulo), 07/05/2000.

20 de novembro: relembrar heróis, exigir direitos

A professora Janete é uma das pessoas que mais admiro em Mato Grosso. Quem não a conhece pessoalmente, talvez possa se perguntar: de onde uma mulher, mãe, esposa, professora, de aparência franzina, retira tanta força para sua luta cotidiana nos movimentos sociais e sindicais? A resposta é muito simples: Janete é uma guerreira! Seu espírito solidário e seu compromisso para com os pobres, os marginalizados e as minorias são os motores que impulsionam sua incansável militância. Mantendo sua coerência ideológica, Janete publicou um artigo para homenagear o Dia da Consciência Negra junto ao Portal Vermelho, que abaixo reproduzimos na íntegra para os leitores deste Blog.


"Encontrei minhas origens em velhos arquivos, .......
livros; encontrei em malditos objetos troncos e grilhetas;
encontrei minhas origens no leste,
no mar em imundos tumbeiros; encontrei em doces
palavras,
...... cantos; em furiosos tambores, ....... ritos; encontrei
minhas
origens na cor de minha pele, nos lanhos de minha alma,
em mim, em minha gente escura, em meus heróis altivos;
encontrei, encontrei-as enfim, me encontrei."

(Poema "Encontrei minhas origens", de Oliveira Silveira)

Em todos municípios mato-grossenses e em vários de outros estados, comemora-se o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. A escolha dessa data foi uma homenagem a Zumbi dos Palmares, líder da resistência negra contra a escravidão no Quilombo dos Palmares, em Alagoas, assassinado em 1695.

Hoje, passados 312 anos do assassinato de Zumbi e 119 anos da chamada "Abolição da Escravatura", o balanço da luta contra o preconceito e a discriminação racial e a situação real de negros e negras de nosso país, apresenta alguns avanços e muitos desafios a superar.

Talvez o principal avanço seja a maior pré-disposição da sociedade em encontrar caminhos para a superação da dívida social que o país possui com os negros e negras brasileiros e todos os seus descendentes. No aspecto institucional, há de se ressaltar a revogação da Lei das Terras de 1854 (que proibia negros possuir terras), através do art. 68 da ADCT da Constituição, obrigando o Estado reconhecer e titular terras ocupados por quilombolas; a criação da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial; a aprovação da Lei 10.639/03 (que incluiu a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira nos currículos escolares); a realização das Conferências de Promoção da Igualdade Racial; a criminalização da prática de racismo; a implementação de quotas e/ ou reservas de vagas nas Instituições de Ensino Superior, entre outras. No que diz respeito ao movimento negro e suas diversas tendências, ressalto o grau de amadurecimento dos mesmos, o que tem possibilitado ações conjuntas de maior envergadura, tendo como objetivo a emancipação da população negra brasileira.

Entretanto, a desigualdade social, desemprego, dificuldade no acesso a escolaridade, renda inferior e a violência fazem parte do cotidiano da grande maioria da população negra do país.
Pesquisas comprovam que a escolaridade é menor e o rendimento médio é equivalente à metade do recebido pela população branca. Mais da metade dos desempregados são negros. Há um triste destaque para mulheres negras ocupando os piores empregos, situação ligada ao racismo e preconceito no processo de seleção.

A baixa renda das famílias negras obriga boa parte dos jovens a abandonar precocemente a escola para ingressarem no mercado de trabalho. Segundo o "Mapa da Violência de 2006 – Os Jovens do Brasil", divulgado pela OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e a Cultura), é alto o índice de violência sofrida pelos negros. O estudo aponta que o jovem negro é o principal alvo: com 72,1% das mortes.

O estereótipo da cultura negra nos meios de comunicação e nos livros escolares ainda reflete a imagem de subalternos, escravos, a ausência de família e como trabalhadores sem qualificação.

Para evidenciar a trajetória de luta e resistência contra a escravidão, sintetizada pela bravura de Zumbi dos Palmares e, ao mesmo tempo, cobrar direitos que ainda lhe são negados e /ou dificultados, todos os anos as organizações do Movimento Negro saem às ruas reivindicando e propondo políticas públicas que contemple maior inclusão no mercado de trabalho; titulação das terras das comunidades quilombolas; democratização do acesso da juventude negra à universidade pública; aprovação do Estatuto da Igualdade Racial; melhor distribuição de renda; acesso à saúde e educação com qualidade; cultura e lazer; habitação ; respeito às religiões de matrizes africanas; combate ao racismo, machismo e a homofobia.

Não ao racismo, ao machismo, a pobreza, a homofobia e a intolerância religiosa!
Contra a violência e pela vida!
Pelo fortalecimento das ações afirmativas: votação imediata do Estatuto da Igualdade Racial, do Projeto das Cotas – PL 73/99 e titulação das terras de quilombos!

Professora Janete é mestre em educação pela UFMT, foi candidata ao Senado em 2006, é dirigente estadual do PCdoB, filiada à UNEGRO (União de Negros pela Igualdade) e Presidente da União Brasileira de Mulheres – Secção Mato Grosso (UBM-MT)

ALBERT EINSTEIN: Porquê o Socialismo?

Um dos maiores gênios da humanidade de todos os tempos, o físio Albert Einstein, criador da Teoria da Relatividade, não restringiu seu poderio intelectual somente às ciencias exatas, como nos tentam fazem crêr cotidianamente as corporações midiatícas. Ao contrário, este extraordinário cientista sempre se engajou nas lutas pela emancipação dos povos e pela defesa do socialismo em substituição ao capitalismo. O Ensaio abaixo, foi escrito por Einstein especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. (Tradução de Anabela Magalhães).

Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos econômicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.
Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenômenos de forma a tornar a interligação destes fenômenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são freqüentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente econômicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.
Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassamos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos econômicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência econômica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro. Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.
Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade.
Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”
Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída?
É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.
O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantes, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é largamente formada pelo ambiente em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.
É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel.
O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.
Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.
Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.
A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.
Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.
O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.
Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”.
A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente”.
Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.
Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planejada. Uma economia planejada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.
No entanto, é necessário lembrar que uma economia planejada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planejada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas sócio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder econômico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?
A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.

O Ensaio original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/598einst.htm .
Fonte:
http://resistir.info

Ernesto Che Guevara – presente!!

No intuito de prestar uma singela homenagem ao camarada Ernesto Che Guevara, por ocasião do aniversário de seu assassinato ocorrido na Bolívia, em oito de outubro de 1967, há exatos 40 anos, portando, encaminhei um pequeno artigo para o Jornal A Tribuna, o qual foi publidado em 12 de outubro de 2007. Segue abaixo o artigo na íntegra:


Em oito de outubro de 1967, há exatos 40 anos, Che Guevara era assassinado por agentes da CIA na Bolívia, país em que lutava para fazer florescer entre os camponeses a revolução socialista. Sua morte prematura, aos 39 anos e o enterro de seu corpo em um túmulo clandestino não foram fatores suficientes para apagar seu exemplo, sua coragem e seu idealismo revolucionário. Ao contrário, esse assassinato covarde patrocinado pelo imperialismo americano potencializou a difusão de suas idéias pelo mundo como um contra-ponto à voracidade e a ideologia neoliberal do capitalismo global.

Em verdade, o camarada Che ainda simboliza, como poucos, a resistência ao pensamento único do período atual. Assim, ante a um processo de globalização perverso, sua imagem - adotada como símbolo por inúmeros partidos políticos, movimentos sociais, estudantis, Ongs, etc., em todas as partes do planeta - segue como um exemplo na busca de um outro mundo possível. Todavia, mais importante que sua imagem, imortalizada em camisetas, cartazes, bandeiras e bótons, são suas idéias. Como bem disse Fidel Castro “Não basta trazer o Che na camiseta, é preciso saber quem ele foi conhecer sua vida e sua obra, suas ações, segui-lo como exemplo”.

Neste sentido, não estamos nos referindo aqui ao “ícone Che Guevara”, mas sim ao Che revolucionário. Um homem engajado na luta teórica e prática, um marxista “visionário” que anteviu a necessidade histórica dos povos dos países pobres de se libertarem dos opressores através da resistência organizada em nível mundial.

Assim, o internacionalismo revolucionário pregado e praticado por Che Guevara pode ser interpretado como um germe da futura resistência ao processo de expansão do capitalismo globalizado. Resistência atualmente consubstanciada pelos movimentos antiglobalização em todas as partes do mundo.

Ernesto Che Guevara continua presente entre nós. Seu pensamento e seus ideais, suas lutas pela emancipação dos povos permanecem atuais, uma vez que “as mesmas condições de opressão, de injustiça e de exploração continuam existindo nos dias de hoje”, nos explica Emir Sader. Devemos acrescentar que diferentemente do período subseqüente ao pós-guerra, o período atual se mostra mais complexo, pois a ideologia hegemônica subjacente à globalização transformou o neoliberalismo no destino inexorável da humanidade. Assim, a luta de idéias visando explicitar a viabilidade de projetos alternativos para o futuro da humanidade se tornou, mais do que nunca, uma tarefa revolucionária.

Assim, paradoxalmente, o processo de globalização termina por criar as condições objetivas para a multiplicação de lideranças com legitimidade para representar e dar continuidade às idéias e lutas de Che Guevara. São os casos de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa, na América do Sul, por exemplo.

Personalidade política mais carismática e popular do século XX, herói do povo cubano e exemplo de idealismo combativo contra a exploração, as injustiças sociais, e a alienação, Ernesto Che Guevara, esse “semeador de consciências”, continua presente nos corações e mentes de todos aqueles que lutam por um outro mundo possível. Segundo suas próprias palavras: “Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor”.

Sergio S. Negri é professor do Departamento de Geografia-ICHS/CUR/UFMT. Mestre em Geografia pela UFU e Doutorando em Geografia pela UNESP – Rio Claro– SP.

Estudantes da UFMT, Campus de Rondonópolis, estão em greve geral desde o dia 13 de novembro

Estudantes da UFMT - Campus de Rondonópolis - liderados pelo DCE, deflagraram greve geral no dia 12 de novembro após deliberação em plenária que contou com a participação de mais de 800 alunos. Entre várias reinvindicações, os estudantes destacam como fundamentais: a autonomia do Campus Universitário de Rondonópolis, com a criação da UFR - Universidade Federal de Rondonópolis, e o apoio ao REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.


O presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Daniel Dalberto, conversou com o EstudanteNet e explicou que a principal reivindicação diz respeito à independência do campus, que conta hoje com 1500 alunos e fica subordinado à direção central da instituição na capital Cuiabá.

Daniel diz que a greve foi fruto de uma série de insatisfações com os muitos problemas estruturais que afetam os estudantes, da falta de laboratórios de pesquisa à ausência de bebedouros. Ele conta que o movimento luta por essa emancipação para que o campus tenha o seu próprio reitor e dessa forma passe a contar com recursos diretos que possam subsidiar as reformas estruturais necessárias para melhorar a qualidade do ensino na instituição.

ReuniUm ponto da pauta de reivindicação trata do apoio dos estudantes da UFMT à resolução da UNE sobre o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni. O movimento cobra da universidade um "debate mais real" e diz que "a não apresentação de um projeto viável para o campus prejudica o processo de independência".

Apesar de reconhecer os avanços contidos no Reuni, a resolução da UNE vai além e exige políticas de estado que passem pela derrubada dos vetos ao Plano Nacional de Educação, garantindo 7% PIB na educação e o fim da DRU (Desvinculação das Receitas da União) –que retém grande quantidade de verbas para pagamento de dívidas– ampliando os recursos para a educação.

Para a presidente da UNE, Lúcia Stumpf, a expansão de vagas no ensino superior público é positiva porque vai ao encontro de algumas bandeiras historicamente defendidas pela entidade. Ela cita as vagas noturnas e a reestruturação curricular, medidas que vão permitir maior mobilidade e facilidade para o estudante concluir o seu curso, evitando que ele procure a alternativa do ensino privado.

Greve continua

Representantes da Pró-reitoria de Administração e da Pró-reitoria de Vivência Acadêmica Social já se reuniram com o comando de greve dos estudantes logo no primeiro dia do movimento para dar início ao processo de negociação. Daniel diz que a greve só acabará quando o movimento conquistar garantias de que a reitoria vai trabalhar por um projeto de expansão que tenha foco a independência.

"Nosso objetivo com a greve é chamar a atenção da população de Rondonópolis para a importância do fortalecimento da região sul do Mato Grosso com a criação de um campus independente. Nossa região está em um eixo estratégico, mas a cada ano fica para trás se comparado a outras regiões como Barra do Garça [que vai passar de 450 vagas este ano para 1.050 no próximo vestibular]", critica.

Abaixo, leia a íntegra do documento divulgado pelo movimento estudantil da UFMT

Resolução Política – greve dos estudantes da UFMT

A Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, passa por uma situação contraditória. Hoje estamos inseridos num processo de expansão do Campus. Entendemos que a expansão de vagas e cursos é uma conquista histórica do movimento estudantil. Muitos estudantes foram incluídos no ensino superior democratizando o acesso a educação.

A expansão favorece o fortalecimento dessa unidade de ensino, no sentido de garantir a "Independência do Campus". Ao mesmo tempo existem muitos problemas estruturais que afetam diretamente os estudantes e a direção do campus não consegue dar respostas e não demonstra competência no gerenciamento dos nossos problemas.

A falta de bebedouros, recursos para atividades acadêmicas (pesquisa, extensão, aula de campo e etc) e ônibus geram uma queda na qualidade de ensino. O grande problema é que essa serie de demandas não são respondidas pelos dirigentes do nosso Campus.

No sentido de resolução de problemas as Universidades Federais de todo o país implementam o REUNI, programa de reestruturação do ensino superior, que visa a fortalecer e ampliar o acesso a universidade com o aumento de 20% de verbas para a instituição.

O Campus não apresenta hoje um projeto que vise a resolução dos problemas estruturais e a expansão do ensino. Por isso vimos aqui dar apoio a resolução da União Nacional dos Estudantes sobre o REUNI, cobrando da universidade o debate real sobre este projeto. Entendemos que a não apresentação de um projeto viável para o Campus, prejudica o processo de Independência.

Hoje estamos sendo passados por outras unidades da UFMT, como por exemplo Barra do Garças, onde vai passar de 400 vagas este ano para 1050 no próximo vestibular, fruto de um projeto elaborado no próprio instituto e que pode se tornar em pouco tempo maior do que Rondonópolis. Não podemos perder a oportunidade histórica e por isso acreditamos ser importante a mudança de rumos na Gestão do Campus de Rondonópolis que elabore um projeto de Universidade e de respostas efetivas a resolução de nossos problemas.

Movimento Estudantil da UFMT - Campus Rondonópolis
Fonte: Estudantenet, com interstícios do mato grosso café.

Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, afirma que América Latina renova a esquerda mundial

Diretor do Le Monde Diplomatique, publicação mensal lançada em 1954 que se consagrou pela orientação de esquerda e analítica, o espanhol Ignacio Ramonet, acaba de fazer mais um de seus périplos pela América Latina. Ele esteve na Argentina, no Chile, em Salvador e em São Paulo, onde falou na última quinta no 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, promovido pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e que se encerra neste domingo (18) no Memorial da América Latina.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele se disse decepcionado com a revolução da informação provocada pela internet e defendeu com veemência o governo do venezuelano Hugo Chávez. Disse também que considera um alento o fato de esquerdas "muito diferentes" e com apoio popular estarem surgindo na região.
Leia abaixo a íntegra da entrevista, na qual a repórter da Folha não esconde um certo descontentamento com as argumentações de Ramonet:

Seu interesse pela América Latina cresceu nos últimos tempos, não?
É uma questão de geração. Fui criado no Marrocos e, para minha geração, nascida logo após a Segunda Guerra, o grande debate político foi a descolonização, a africana em particular, mas simultaneamente prestamos muita atenção ao que acontecia na América Latina com a Revolução Cubana, as guerrilhas, a repressão. Há também uma proximidade cultural. Sou espanhol apesar de viver e trabalhar na França e meus pais eram republicanos espanhóis. Hoje o interesse é maior porque aqui neste momento há um fenômeno político particular. Quando todas as esquerdas internacionais parecem esgotadas, desprovidas de idéias e alento, aqui surgem esquerdas muito diferentes, mas com apoio popular forte em quase todos os países em que há eleições.

Muitos apontam que a melhora da situação econômica na região se deve ao ambiente internacional e não a políticas de esquerda especificamente.
É óbvio que uma parte do crescimento latino-americano se deve à situação econômica internacional, que se caracteriza pelo fato de que vários motores, como as economias chinesa e indiana, estão funcionando a pleno vapor. Mas neste momento na América Latina, em razão da pacificação geral da região, com exceção da Colômbia, e da democracia, com regimes legítimos e legais, e do fato de governos de esquerda estarem levando a cabo uma política mais ou menos intensa de redistribuição. O importante é isso, não tanto as políticas econômicas como causa da bonança, mas há em todos os governos a vontade de criar maior coesão social, de repartir e distribuir melhor os benefícios de um crescimento que não se via há muito tempo.

O senhor falou num ambiente de pacificação política, mas esse não é o quadro que se na Venezuela ou na Bolívia, por exemplo...

Falei de pacificação no sentido de que os governos são legítimos e não há insurgências, golpes de Estado. Mas isso não quer dizer que não haja violência social. O Brasil e o Chile estão entre os países mais desiguais do mundo. E há toda a tensão política em torno da Venezuela em razão mesmo da rapidez e da força de transformação lá, que desestabiliza os poderes tradicionais, que conduzem uma guerra ideológica e até uma estratégia de golpe de Estado. Isso não muda o panorama geral.

O senhor tem estado muito próximo de Chávez, não?
Pessoalmente, não. Intelectualmente me interessa a experiência venezuelana e tenho a sorte de tê-la acompanhada desde o início e ter podido regularmente conversar com o presidente Chávez e entendo o tipo de processo que acontece lá. E me parece que até agora o presidente manteve sua linha de respeito absoluto ao funcionamento democrático, à economia de mercado, mas, claro, aumentando a economia social, mas por outro lado levando adiante de redistribuir os lucros que o petróleo está produzindo neste momento.

Mas há na Venezuela dois aspectos preocupantes: a reforma constitucional, que concentra os poderes nas mãos do presidente, e a pouca tolerância com o debate. Ele não radicalizou demais seu projeto, depois da reeleição?
Eu acredito que o presidente Chávez, antes de introduzir a proposta de reforma constitucional, já era objeto de ataques muito violentos. Foi praticamente desde que se elegeu pela primeira vez em dezembro de 1998. O argumento da Constituição não é mais do que a continuação dessa política de desqualificação permanente. O fato é que o presidente nunca disse que ia impor a reforma da Carta, mas propor e submeter as reformas à decisão popular. Na Venezuela os meios de comunicação são os meios da oligarquia, quase toda a imprensa escrita, os grandes jornais, pertencem à oposição, as grandes rádios. Ninguém se escandaliza no mundo porque em 2000 o então presidente [francês Jacques] Chirac fez um referendo para mudar a Constituição e permitir que o presidente da República pudesse ser reeleito indefinidamente, pondo fim à limitação a dois mandatos. Ninguém disse que Chirac é um tirano nem que Sarkozy vai se manter no poder de maneira ilegítima.
Na Europa há pelo menos sete países cuja Constituição não limita o número de mandatos do chefe de governo ou de Estado. Na proposta de reforma da Constituição venezuelana não foi suprimida a possibilidade de referendos revogatórios de mandato.
Mesmo pessoas que apoiaram Chávez estão preocupados com a centralização do poder na figura dele e na supressão do debate até dentro do governismo.

Chávez sabe desde 2002 que a personalização do processo boliviariano o expõe de maneira excessiva, que se o processo descansa apenas sobre a pessoa dele a eliminação de sua pessoa elimina o processo. Contrariamente a tudo o que se diz, desde 2002 ele está ampliando o processo, dando poder à sociedade e tirando poder da oligarquia e do sistema tradicional e transferindo-o maciçamente para a sociedade. Dessa maneira, se o matam amanhã, o que desgraçadamente é possível, a sociedade está armada com poder para defender o processo. O movimento de transformação da Constituição tem esse sentido.

A direção do "Monde Diplomatique" e a associação Attac estiveram no final dos anos 1990 na vanguarda da organização do Fórum Social Mundial. Era uma época em que os Estados nacionais pareciam enfraquecidos. Hoje o Fórum e o Attac estão divididos entre os que recusam qualquer associação com o poder e os que defendem o trabalho com governos de esquerda no poder. Qual é a sua posição?
Quando criamos o Attac e participamos da criação do Fórum Social, estávamos em um momento no qual a globalização e a ideologia neoliberal eram triunfantes e havia muito pouco movimento de resistência. Nós estávamos convencidos de que era preciso passar à ofensiva não com a perspectiva de conquistar o poder, mas de transformar a sociedade a partir de baixo. Nós em particular apoiávamos as idéias do subcomandante Marcos, de que era inútil conquistar o poder pelas urnas porque a estrutura da globalização – o FMI, o Banco Mundial, a OMC – limitavam sua capacidade de transformação social. Marcos, como Bourdieu e outros, dizia que era preciso juntar todos os movimentos sociais da base em torno da mundialização. Pensamos em criar uma assembléia geral dos povos, dos movimentos sociais, que era o sentido do Fórum.
Quando o fórum ganhou certa importância, nós pensamos que era preciso propor um número de idéias com as quais todos estávamos de acordo para tentar implementá-las de maneira mais radical. Mas desde então muitas das idéias do fórum chegaram ao poder mediante eleições, com Lula, Kirchner, Chávez, Evo Morales. Agora estamos numa situação em que, além de transformar a sociedade a partir de abaixo, também podemos transformá-la de cima, na medida em que há governos com vontade, mais ou menos forte ou radical, de mudança. Em muitos países há um movimento dual dos movimentos sociais e dos governos populares, que se retroalimentam. É o que acontece na Venezuela, no Equador, na Nicarágua e na Bolívia. Hoje é normal que o Fórum Social esteja em crise, porque ele é menos indispensável.

O senhor lançou há pouco um livro de entrevistas com Fidel Castro. Acredita que pode realmente haver uma transição à chinesa em Cuba?

Eu não acredito que a palavra transição seja a que inspira os setores que estão pensando o futuro de Cuba. A mudança fundamental já aconteceu: Fidel não está mais no poder. Não acho que Fidel Castro vá de novo apresentar-se às eleições do próximo ano, as legislativas em fevereiro ou março e em maio a do presidente pelo Conselho de Estado. Fala-se muito do modelo chinês ou vietnamita, mas uma das características da Revolução Cubana é ter sido sempre muito singular. Provavelmente as mudanças terão como base o grande debate que está sendo realizado neste momento e que tem a ver com uma percepção realista dos principais problemas do país, de alimentação, de habitação, transporte, mas num marco da continuidade do que aconteceu até agora. O problema é: os Estados Unidos deixarão de intrometer-se no processo cubano, permitirão que siga seu curso sem interferência direta ou indireta?

Que balanço o senhor faz da revolução das comunicações produzida pela internet nos últimos 15 anos?
A internet modificou muito fortemente a comunicação e ainda não assistimos a todas as modificações que ainda pode produzir não só na comunicação como em outros setores como o comércio e a cultura de massas. No setor da comunicação a internet suscitou uma grande ilusão, de uma comunicação democrática, relativamente barata, fácil de conseguir e planetária. Hoje vivemos uma certa decepção. Não conheço o caso do Brasil, mas em geral os sites de internet mais freqüentados, os dez primeiros em cada país, já pertencem aos meios dominantes desse país. Há um alinhamento quase total. Claro que sempre resta a alternativa individual de criar um site, um blog, mas isso também tínhamos antes com a fotocópia. Hoje a internet massivamente utilizada está dominada pelos grandes grupos de comunicação.

E o que o senhor propõe em relação a isso?

Acho que é preciso, sobretudo na América Latina, estimular todos os meios públicos, criar um equilíbrio entre meios privados e públicos, que não existe na maioria dos países latino-americanos. Os próprios governos populares hoje têm que estimular a diversidade midiática. Eu propus a criação de observatórios. Os meios têm que ter um contrapoder. Hoje os meios são o único poder que não têm um contrapoder, como têm os poderes político, econômico. O poder midiático não aceita um contrapoder, em nome de sua característica de se considerar o guardião da liberdade de expressão e da democracia.

Mas quem exerceria esse contrapoder?
A sociedade.

Qual é o limite entre a fiscalização e a censura?

Os observatórios que proponho não têm o objetivo de censurar ou corrigir, mas de submeter os meios aos critérios de funcionamento jornalístico que eles próprios definem como seus. Partindo dessas definições, os observatórios publicariam um informe à população em geral sobre os desrespeitos aos objetivos expressos pelo próprio meio. Eles seriam constituídos por jornalistas, professores de comunicação e leitores em geral. A idéia é construtiva, não destrutiva. Como quero comprar uma comida saudável, sem pesticidas, quero comprar um jornal que não mente nem oculta. Um exemplo: foi armado um escândalo internacional em torno da não renovação da concessão da RCTV na Venezuela. Neste momento, na Geórgia, há um governo pró-ocidental, celebrado como modelo das revoluções democráticas na ex-União Soviética, que acaba de fechar dois canais de TV, um deles pertencente a [o magnata da mídia Rupert] Murdoch. Não se deu grande importância a isso. A diferença de tratamento é uma das observações que pode ser feita.

O que você acha da idéia lançada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas de que o setor público deveria financiar jornais de qualidade ameaçados de desaparecer?
Não conheço o texto de Habermas. Mas hoje em dia uma boa parte da imprensa escrita está ameaçada, em razão da internet, dos jornais gratuitos, o financiamento fundamental é publicitário e está havendo uma proletarização dos jornalistas, a desclassificação social dos jornalistas e sua marginalização cultural, de maneira paradóxica. Por isso é preciso imaginar fórmulas que permitam a permanência de uma imprensa diversificada, que sejam representativas das diferentes categorias da sociedade. O problema dos meios hoje é que são um poder e continuam se qualificando de contrapoder. Mas os meios não são mais o quarto poder. E, em relação à democracia, exigem transparência mas não tem um funcionamento democrático em seu interior. Transformaram a informação numa mercadoria regida pela lei da oferta e da procura e não pela lei da informação.

Quando vemos, por exemplo, as notícias mais lidas nos sites de notícias, elas muitas vezes estão ligadas ao mundo do espetáculo, das celebridades. Não é isso o que as pessoas querem? Como conviver com esse paradoxo?
Como se sabe, a opinião pública é reflexo dos meios de comunicação. Ela não existe sem os meios. Se esses são os artigos escolhidos, é porque são os apresentados. Os meios formaram um tipo de sociedade em que tudo que é anedótico, fútil, divertido é dominante. Como a internet permite fazer esse cálculo rápido, nós poderíamos fazer hoje um jornal que só daria aos leitores o que eles querem e isso seria muito superficial. Na Flórida, o "Boca Ratón News" todos os dias pergunta a seus leitores que notícias querem ler amanhã e hierarquiza as informações em função disso. Hoje há um problema com a identidade dos jornalistas. Todos podem pôr sua informação na internet, enviar suas fotos dos acontecimentos – o 11 de Setembro não foi filmado por jornalistas, as fotos de Abu Ghraib não foram tiradas por jornalistas, nem as da execução de Saddam Hussein.

E como vai o "Monde Diplomatique"?
Também passamos dificuldades na difusão do jornal em papel. Nossa página na internet teve um crescimento regular nos últimos anos, mas a edição francesa teve queda de 5% neste ano, está em 250 mil exemplares. Mas temos 70 edições internacionais, inclusive a brasileira, lançada neste ano. Essas somam 2 milhões de exemplares em 30 línguas.

Entre Zapatero e Sarkozy, qual é sua preferência?

Zapatero, claro, mas ele teve uma atitude tão estranha na cúpula Ibero-Americana, que me surpreendeu.

A situação hoje na França parece mais favorável às reformas liberalizantes propostas por Sarkozy do que em 1995, quando greves derrubaram o governo de Alain Juppé...

Eu discordo. Sarkozy se beneficia uma vez mais de uma cobertura midiática muito favorável, mas agora começa a resistência social. Não será tão fácil quanto Sarkozy imagina. O tipo de reforma thatcheriana que ele quer fazer, com 20 anos de atraso, terá dificuldades para se impor.

Em relação à disputa entre Lula, Chávez e Fidel Castro sobre a validade dos biocombustíveis, qual a sua opinião?
Eu não vejo uma disputa, mas avaliações diferentes. É natural que Lula defenda o álcool porque o Brasil é um país que até agora não tinha petróleo suficiente para sua massa demográfica e seu projeto de desenvolvimento. Fidel salientou que, se o mundo inteiro passa ao álcool, haverá um problema de fome. A organização da ONU para a agricultura lhe deu razão, assim como todos os grandes jornais sérios. A lógica brasileira não pode ser estendida ao mundo.

Muitos setores da esquerda mundial se decepcionaram com Lula. O senhor compartilha dessa decepção?
Em parte sim. Mas Lula continua tendo a minha simpatia e de um grande setor da esquerda internacional porque enfrentou condições difíceis, governou sem maioria no primeiro mandato. Não é possível lhe pedir que faça o que em outras circunstâncias teria podido fazer. Ele não conseguiu acabar com a fome, o analfabetismo. Digamos que se esperava a face diretamente social do governo de Lula e que ela não chegou. Nesse sentido há uma certa decepção porque se imaginava que ele assumiria a liderança em relação à vontade redistributiva. Mas sua reeleição demonstrou que continua contando com o apoio dos mais necessitados dos brasileiros e isso é muito respeitável.
Fonte: vermelho

HOBSBAWM: Marx já havia previsto a globalização no século XIX


Uma das maiores referências do marxismo mundial, o historiador Eric Hobsbawm, 90 anos, "defende a força das idéias de Marx para analisar o que acontece no mundo atual", conforme matéria publicada no Portal Vermelho, que segue abaixo na íntegra:


Na sexta-feira (16), junto a Donald Sassoon e Josep Fontana, participou de um seminário sobre a Europa organizado pelo Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Por isso pediu para não falar do Velho Continente, mas tratou de várias outras questões.

Weimar e Hitler. "Era inevitável politizar-se naquele tempo. Eu vivia na Alemanha e não podia ser social-democrata (eram muito moderados), nem nacionalista (era inglês e judeu), nem me interessava o sionismo. Por isso me alistei em uma associação juvenil que embora se chamasse socialista estava marcada pelos comunistas. Assisti ao colapso da República de Weimar e participei ativamente (o que representava muitos riscos) das eleições de 1933 que foram ganhas por Hitler. Então fui para a Inglaterra e comecei a estudar em Cambridge."

Trinta anos de guerra. "Com a guerra de 1914 terminou o mundo da grande cultura burguesa. Depois vieram mais de 30 anos de guerras, revoluções, instabilidade e crises, uma época catastrófica. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, entramos em uma aceleração da economia, da sociedade e da cultura que não cessou mais. Não foi um salto, foi um crescimento contínuo. A Internet transformou tudo e tem só 15 anos."

O poder do marxismo. "Os marxistas acreditavam que a classe operária fosse crescer, quando o que aconteceu é que decresceu, e países como os EUA ou a Inglaterra inclusive estão se desindustrializando. A luta política baseada na luta de classes não é mais muito eficaz. Mas Marx sobrevive em sua concepção materialista da história e em sua análise do capitalismo. No século 19, já previa a globalização, e quando se comemorava o 150º aniversário do Manifesto Comunista, as crises econômicas do Sudeste Asiático e da Rússia em 1997 e 1998 confirmaram suas previsões. O poder do marxismo continua intacto, ao contrário de muitas idéias políticas de Marx que obedeciam, mais que à análise, aos sonhos de igualdade."

A Revolução Russa. "O socialismo triunfou em países atrasados e sua obsessão foi modernizá-los. Na União Soviética a idéia era desencadear uma rápida industrialização, e se para fazê-lo fosse necessário recorrer a procedimentos autoritários, que fosse. Não quero justificar os campos de trabalhos forçados, que são injustificáveis, mas as conquistas foram extraordinárias. Durante a Segunda Guerra Mundial a URSS não sucumbiu, mas derrotou o inimigo mais poderoso: o exército alemão. Não o fez mobilizando as massas. Conseguiu porque era um país industrializado com notáveis avanços tecnológicos e com gente preparada. O modelo para alcançar uma industrialização tão rápida foi o da economia de guerra. O preço foi não conseguir que a economia tivesse uma dinâmica própria."

Putin e os gângsteres. "Não se pode compreender sem a crise de 1991. E então se viu claramente que o afã de fazer da Rússia um Estado capitalista a toda velocidade era inclusive mais difícil do que industrializar um país atrasado. Foi tal o cataclismo que Putin pelo menos conseguiu que o Estado funcione. Se a economia caiu nas mãos dos gângsteres, o que conseguiu é que estes obedeçam ao Estado."

Os fundamentalismos. "Afetam todas as religiões. No caso islâmico, a revolução que triunfou no Irã tinha uma forte vontade de consolidar um Estado, centralizá-lo e modernizá-lo. Os fundamentalistas judeus são desde 1967 os mais vigorosos defensores de Israel e reivindicam suas ambições imperialistas. E não se deve esquecer a virada fundamentalista dos católicos com os últimos papas e das comunidades protestantes nos EUA."

O terrorismo islâmico. "Seu poder militar é mínimo. O atentado em Nova York não chegou a desestabilizar a cidade, exceto durante algumas horas. É preciso salientar que há lugares (Afeganistão, Paquistão, Oriente Médio) onde os grupos terroristas jogam politicamente um papel importante e não podem ser desprezados. Outra coisa é o terrorismo islâmico em nossos países. Corresponde a uma reação antiimperialista, e não querem que em seus países se imponha o capitalismo ocidental. Na Inglaterra, os terroristas também reagem contra a religião herdada de seus pais, mais moderada. Costumam pertencer às elites e sua educação é superior à média de seus países."

Fonte: El País

Motivos que me levaram à criação deste Blog

Caros colegas,

Como prometido, passo aqui, a explicitar os principais motivos que me levaram à criação deste Blog...

Primeiro, o fato de que acredito que este Blog possa vir a se constituir ao longo do tempo em mais um instrumento para engrossar as trincheiras da resistência ao pensamento único. Este tem por motor a ideologia do crescimento econômico e da competitividade do mercado globalizado - fundamentos da "bíblia" neoliberal, aplicados a ferro e fogo pelas transnacionais e acatados docilmente pelas diversas esferas públicas!

Em segundo lugar, decorrente do primeiro, o fato de residir em Mato Grosso há 15 anos, de possuir um sentimento de pertencimento a este território e por isso mesmo não me curvar à versão "oficial" dos fatos, ofertada cotidianamente pelo estreito e uníssono cardápio midiático nacional e mato-grossense, especialmente em Rondonópolis...
Em terceiro lugar, portanto, buscar oferecer uma nova opção aos leitores, partindo da Geografia, no sentido de democratizar a informação, incentivar o debate de idéias e a pluralidade de opiniões. Para tanto parto de uma outra racionalidade, alternativa e comprometida com os pobres, por meio de uma visão crítica dos fatos relacionados à política e ao território Mato-grossense.

Assim, em minhas postagens estarei privilegiando a análise crítica ao novo modelo técnico-produtivo instalado no território mato-grossense, dominado hegemonicamente pelas transnacionais e seus testas-de-ferro tupiniquins. Modelo este vendido cotidianamente pela mídia local, estadual e nacional enquanto único caminho possível (sic) para o desenvolvimento econômico e social de Mato Grosso.
Em verdade, portanto, trata-se de questionar e confrontar, através do debate de idéias e de fatos, o novo (velho) modelo perverso de desenvolvimento econômico pautado na globalização, que resulta em injustas e persistentes desigualdades sociais e territoriais, como procurarei demonstrar ao longo de minhas postagens aqui!

Valeu!

Minha Primeira Postagem

Caros colegas,
Esta é minha primeira postagem oficial no Blog. Confesso que muitas dúvidas e inseguranças ainda me assaltam...
Inicialmente, quero aqui expressar minha grande expectiva em relação ao alcance e visibilidade que este novo meio de divulgação de idéias possa alcançar. Primeiramente, considerando-se fato de se tratar de um Blog períférico, longe do eixo Rio-são Paulo-Brasília. Segundo, pela minha inexperiência em dominar as ferramentas básicas desse novo universo, o qual se populariza a passos largos no período atual, marcado pela globalização.
De qualquer modo, este é o meu ritual de inicialização ao mundo virtual dos Blogs enquanto protagonista de algumas idéias relativas a Política, ao Territorio e à Cidadania no estado de Mato Grosso.. Por enquanto um exercício solitário, mas tenho esperanças de que com o desenrolar do tempo se transforme em mais uma trincheira contra o pensamento único hegemônico.
Continuo na próxima postagem, explicitando os princípais motivos que me levaram à construção deste espaço democrático de debates.
Valeu!